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Não-menstruação

nem toda mulher menstrua

Há quem considere a menstruação algo natural e fisiológico e há também aquelas pessoas que, se pudessem, não menstruariam mais. Uma pesquisa da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), realizada pelo Datafolha em 2017, mostrou que, entre as 2.004 mulheres entrevistadas em oito capitais brasileiras, 85% menstruam todo mês e os 15% restantes não passam por isso, pois usam medicamentos para não menstruar.

Segundo a pesquisa, 55% das mulheres entrevistadas que menstruam todo mês preferiam não passar por isso. Entre os principais motivos estão os desconfortos sentidos durante o período (cansaço, cólicas e sintomas da tensão pré-menstrual) e quadros clínicos como a endometriose.

Interromper a menstruação implica utilizar hormônios externos que interferem na produção de estrogênio e progesterona ou retirar o útero - providência tomada somente em casos específicos mediante indicação e acompanhamento de especialistas. A escolha por não menstruar pode trazer benefícios, mas há também riscos para os quais é necessário estar atenta.

Pílula de uso contínuo, dispositivo intrauterino (DIU) hormonal, implante subcutâneo, análogo hormonal e injeção de progesterona estão entre os métodos mais comuns para suspender a menstruação. Eles são muito úteis no tratamento de doenças crônicas que pioram durante o período - seja pelo sangramento, seja pelas dores - e uma forma de as mulheres decidirem sobre o próprio corpo. Entretanto, qualquer tipo escolhido contém hormônios e só deve ser utilizado com indicação médica, pois pode aumentar o risco de infarto, trombose, derrame e alguns tipos de câncer, além de ter efeitos adversos que incluem inchaço, acnes e alterações de humor.

Ainda de acordo com a pesquisa da Febrasgo, as mulheres que gostam de menstruar (45%) alegaram que se sentem saudáveis e que consideram a menstruação algo natural, uma forma de limpar o corpo. Outro ponto apontado é que a menstruação é um indicativo de que não estão grávidas. Independentemente de gostar ou não de menstruar, 74% das participantes disseram que decidir sobre o próprio ciclo menstrual daria mais controle sobre suas vidas.

O debate sobre menstruar ou não existe e cada pessoa toma sua decisão sobre como proceder. Profissionais ligadas à saúde menstrual e mulheres que tomaram suas decisões conversaram com a equipe do Fases. Conheça seus relatos e opiniões.

"Depois de não conseguir meu parto dos sonhos, e aí já é outra história, eu senti frustração e revolta dentro de mim. Uma vontade de ajudar as mulheres a não passarem pelo que passei por falta de informação. A partir desses momentos, tornei doula e comecei a atuar na assistência ao parto respeitoso. Só então passei a enxergar a menstruação com outros olhos e tudo mudou.

Todos os meses nosso corpo se prepara para receber uma vida e o endométrio é uma camada de sangue rico, sagrado e capaz de sustentá-la. Hoje, toda vez que menstruo agradeço ao meu corpo pela oportunidade de ter sido, em dado momento daquele mês, capaz de sustentar uma vida dentro de mim. Isso é uma coisa extremamente grandiosa e divina. Quando modifiquei meu ponto de vista, abracei meu ciclo com amor.  

É claro que sinto cólica, é claro que é chato às vezes me preocupar com manchas na roupa, mas existem artifícios pra driblar essas coisas - como tomar um chá quente, fazer uma compressa morna e usar coletor (vazamento zero!). Se me perguntassem aos 11 anos, quando menstruei pela primeira vez, se eu gostaria de não menstruar, responderia sem pensar que sim!

Me deram parabéns por ter menstruado. Com aquela idade tudo que eu pensava era: parabéns pelo quê? Parabéns por ter que me preocupar com as manchas na roupa? Parabéns por não poder ir pra praia sempre que me convidassem? Parabéns por sentir cólicas? Juro que eu não entendia. Os anos foram passando, e fui me acostumando com aquilo, já via como algo natural.

Aos 17, menstruação para mim era uma coisa ok, e só. Porém foi também com essa idade que me vi grávida, prestes a ser mãe. Foram 39 semanas sem menstruar e adentrando no Universo da maternidade, do parto e do nascimento. Hoje tenho 7 anos como mãe, quase 5 como doula e eu não escolheria viver sem menstruar. Gosto de ver e sentir meu corpo funcionando.

Além disso, acompanho muitas mulheres que passaram muito tempo tentando engravidar após anos de uso de hormônios contínuos. Então, em resumo, trabalho com vida, gosto da vida, ajudo a receber vidas, dou boas vindas pra ela constantemente. E sangue é vida. Esse que corre nas veias é vida, né? Por que esse que sai da vagina não é?"— Débora Colares, 24 anos, doula 

É importante ressaltar que inexiste consenso médico sobre a não menstruação. Pesquisas científicas não relataram efeitos negativos significativos para a saúde quando uma pessoa deixa de menstruar usando a pílula. Ao mesmo tempo, não há estudos de longo prazo examinando a segurança de deixar de menstruar por longos períodos.

"Ao contrário de muitas de minhas amigas, tive o privilégio de ter uma relação bastante aberta com a minha mãe quando o tema era menstruação e, por conta disso, acreditava já saber de tudo. No meu entendimento, já compreendia como funcionava o uso dos absorventes, os tamanhos a serem usados em cada dia, as cólicas e o stress que vinham junto dias antes. Estava enganada.

Tudo mudou com a minha menarca,aos 14 anos. As “orientações” e os “cuidados” se intensificaram. Não havia mais brincadeiras com meninos, e estes, passaram a se distanciar. As cólicas insuportáveis me faziam desmaiar. A responsabilidade de não engravidar, de não perder minha vida, preocupava-me mais ainda. Anos depois, decidi que não queria mais “aquilo” saindo de mim. Comecei a rejeitar a menstruação, pois todos os meses aquele mesmo ciclo doloroso, que me maltratava física e psicologicamente, iria retornar.

Aos 18 anos, passei a usar as “sagradas” pílulas do dia seguinte de maneira indiscriminada. Mesmo lendo a enorme bula e sentindo seus efeitos adversos, nada era maior que o medo de engravidar. Passei a usar as injeções. Uma furada escondida dentro de uma farmácia e ninguém saberia. Depois que descobri que este método não era “saudável”, usei quase todos os anticoncepcionais orais e, assim, seguia uma jornada em busca de não menstruar - ou, em última análise, de não engravidar, pois tinha aprendido que as responsabilidades, caso isso acontecesse, seriam minhas apenas. 

Foram 8 anos de uso diário de um coquetel de hormônios. Nesse processo, raramente menstruava e, com o tempo, naturalizei o uso. Em decorrência disso, suas reações adversas se intensificaram, mas não conseguia associar tudo isso com os 20 quilos que nunca conseguia perder, com o corpo convivendo com uma eterna sensação de inchaço, com as dores nas costas devido ao sobrepeso, com as cólicas intensas, com o humor inconstante e deprimido e com o cansaço. Não conseguia relacionar os sintomas com as altas dosagens que fazia uso na época. 

Passei a não reconhecer meu corpo e seus avisos. Como fazia acompanhamento com uma médica do posto de saúde do meu bairro, a mesma que me prescrevia os anticoncepcionais, esta propôs a suspensão desses e do antidepressivo, que usei por seis meses devido aos sintomas de depressão. Resisti. Não pela suspensão do antidepressivo, mas não queria pensar na possibilidade de engravidar.

Com apoio do meu companheiro, decidi menstruar e, desde novembro de 2018, não tomo mais nenhum anticoncepcional. Os dois primeiros meses não foram fáceis, as cólicas ressurgiram, mas passei a cuidar do meu corpo, do meu útero. A compressa de água morna sempre está à disposição, o anti-inflamatório está lá para os dias mais dolorosos, a atividade física começou a me acompanhar e comecei a perceber que no período menstrual não deveria forçar nada, tudo com muita leveza.

Com relação aos absorventes (uma agonia), comecei a utilizar outros tipos. Lembrei da minha avó fazendo os absorventes para minha mãe com tiras de panos, os nada atuais absorventes sustentáveis. Os picos de ansiedade estão quase desaparecendo e, com isso, consigo estar mais presente e animada. Alguns dias ainda são difíceis, mas nem se compara com os anos anteriores.

Depois de 26 anos, recomecei a reconhecer o meu corpo. Tive a ousadia de ir contra a sociedade que impõe a menstruação como algo sujo, impuro. Nós, donas dos nossos úteros, precisamos compreender e, principalmente, abraçar o nosso longo e intenso ciclo, bem como suas fases que se repetem de 28 a 28 dias. Se tirarmos alguns minutos por dia, e anotarmos como estamos nos sentindo realmente (há inúmeros aplicativos gratuitos), podemos nos preparar melhor, começar a nos entendermos e diferenciar os sentimentos e as emoções de acordo com nosso ciclo menstrual." — Bianca Dionisio, 26 anos, enfermeira

Um dos efeitos colaterais de longos períodos sem sangramento é o aumento do sangramento de escape. A boa notícia é que a frequência de sangramento de escape tende a diminuir com o tempo. Outro sangramento possível quando se utiliza anticoncepcionais é aquele que vem na pausa entre uma cartela e outra. Nesses casos, o que acontece não é a menstruação em si, mas um sangramento de retirada - que é mais leve do que uma menstruação natural.

"Eu sou apaixonada pelo anticoncepcional. A mim ele nunca trouxe efeitos colaterais, só benefícios. Minha primeira menstruação aconteceu aos 12 anos, faltavam cinco meses para eu completar 13 anos. Apesar de minha sempre ter conversado sobe tudo comigo e com minha irmã, a menarca foi uma surpresa, mas ela foi regular e eu não tive grandes problemas com menstruação. Pelo menos na adolescência, eu tinha poucas cólicas que me permitiam desenvolver minhas atividades diárias normalmente.

Foi depois da minha primeira gravidez, aos 22 anos, que as dores menstruais começaram a vir com maior intensidade. Muito maior intensidade. Diversas vezes eu me automedicava com analgésicos e anti-inflamatórios e outras tantas eu tive que me ausentar de trabalho. Fui a alguns ginecologistas que afirmaram que a dor era normal, já que ela não tinha nenhuma causa aparente como endometriose, por exemplo. Até que encontrei um profissional que me apoiou na decisão de fazer o uso contínuo de anticoncepcional. E isso eu faço há quatro, cinco anos.

Para mim, é até um certo empoderamento diante do tabu muito grande de achar que a mulher deve menstruar todo mês. Essa possibilidade de não menstruar é a coisa mais maravilhosa do mundo. A menstruação sequer deveria existir; é um desconforto pelo qual mulher nenhuma deveria ser obrigada a passar.

Hoje, com trinta e oito anos, sei que preciso adotar algum outro método — como o DIU com hormônios ou a laqueadura. Não posso continuar no uso ininterrupto de pílula por muito mais tempo devido aos riscos aumentados de acidente vascular cerebral (AVC) e trombose venosa. " Karinne Oliveira, 38 anos, enfermeira*

* Este texto é uma narrativa livre construída a partir da entrevista feita com Karinne para o minidocumentário 28 dias.

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